Sacerdote, profeta e rei: a vocação do homem leigo
Ao longo do mês de agosto a Igreja no Brasil propõe a todos os fiéis uma reflexão sobre a vocação. O Apostolado Bravus trouxe, a cada semana, um artigo no intuito de provocar um aprofundamento nesse tempo especial, principalmente colocando a figura do homem e sua relação com cada vocação. Na primeira semana, abordamos a vocação sacerdotal, na segunda a paternidade, na terceira o chamado ao celibato e neste artigo, último dessa série, refletiremos um pouco acerca da vocação leiga e a masculinidade.
Tenho uma confissão pessoal a fazer: durante muitos anos, por falta de maturidade e de formação, tinha uma visão de que a santidade se encontrava mais plenamente no sacerdócio ou mesmo no celibato consagrado.
O tempo, as experiências de vida e, principalmente, os ensinamentos da Igreja me auxiliaram a perceber o quão desafiador é o chamado à santidade comum, na vida leiga. É uma resposta pessoal à graça santificante que está disponível a todos os batizados. É essa percepção que norteia este texto e espero que auxilie você, caro leitor, caso compartilhe de uma visão semelhante a que possuí.
O batismo como consagração
Muitos fiéis têm uma visão reducionista acerca do batismo. O fato do batismo de crianças ser um rito tão presente na nossa tradição faz com que, por vezes, se deixe de aprofundar sobre o mistério desse sacramento[note]Não pretendo aqui questionar o batismo de crianças, o Catecismo da Igreja Católica fornece explicações claras a respeito. Além disso, caso queira se aprofundar no tema, há um vídeo do Padre Paulo Ricardo que orienta sobre esse ponto.[/note].
A Exortação Apostólica Chistifideles Laici, parágrafo 10, faz a seguinte afirmação: “Não é um exagero dizer que toda a existência do fiel leigo tem por finalidade levá-lo a descobrir a radical novidade cristã que promana do Batismo, sacramento da fé, a fim de poder viver as suas exigências segundo a vocação que recebeu de Deus.”
O batismo é uma consagração, que significa tornar sagrado (latim consacrare), o que, de fato, é uma configuração total e plena com o sagrado, mais especificamente com o Cristo crucificado e glorioso. A natureza desse sacramento, em si, é uma convocação radical e profunda, chamado de Deus — e, ao mesmo tempo, graça — para que morramos e ressuscitemos, participando, como Corpo Místico, do mesmo mistério de Nosso Senhor.
Assim, a resposta à radicalidade que muitos almejam — e procuram fora de si — está exatamente em responder com generosidade ao chamado de Deus realizado no Batismo: “Eis o meu filho muito amado, em quem eu coloco minha confiança” (cf. Mt 17,4).
Mas como viver com plenitude a consagração do batismo em meio a tantos desafios que se nos apresentam a vida secular?
Essa resposta é demasiado complexa. No entanto, há três aspectos pouco abordados que podem oferecer um guia para que vivamos bem nossa consagração: pelo batismo, participamos do sacerdócio de Cristo, de sua missão profética e régia[note]Catecismo da Igreja Católica, 1.267[/note], portanto, somos, em Cristo, sacerdotes, profetas e reis.
“O Concílio Vaticano II recordou-nos o mistério deste poder e o fato de que a missão de Cristo — Sacerdote, Profeta-Mestre, Rei — continua na Igreja. Todos, todo o Povo de Deus participa nesta tríplice missão”[note]Exortação Apostólica Chistifideles Laici, 14[/note].
Nos próximos tópicos, aprofundaremos um pouco mais sobre cada uma dessas características.
Em Cristo, ser sacerdote
Para muitos, o sacerdócio é algo que somente é exercido pelos padres. No entanto, todo o povo de Deus, como Corpo Místico de Cristo, é chamado a exercer o sacerdócio comum. Mas em que sentido isso se realiza?
Para que se efetue uma oferta é necessário haver um sacerdote, um altar e uma vítima. Trazendo essas características para a realidade dos leigos, temos a oportunidade de contemplar a profundidade desse mistério.
O leigo é chamado a fazer uma constante oferta de si. Isso não é diferente nas outras vocações. No entanto, pelo fato de estar inserido no mundo, a vivência cristã se coloca com uma natureza particular, que não é superior, muito menos inferior, simplesmente própria.
Como é difícil preservar as virtudes cristãs e a convicção por Cristo em meio a preocupações que, por vezes, podem nos distrair da pátria celeste. Apartados da mística cristã, o mundo do trabalho, da família, da política, entre outros, nos tira o foco do Céu. É, portanto, nessa realidade que o sacerdócio comum se apresenta, pois temos o desafio de consagrar a Deus o próprio mundo[note]Constituição Dogmática Lumen Gentium, 35[/note] e isso se realiza na decisão cotidiana de, pela fé, ofertar cada ato de amor e sacrifício, realizando santamente cada tarefa que exercemos, seja no trabalho, na família ou nas responsabilidades perante a sociedade. E, desse modo, enxertados na videira verdadeira, enfrentamos a complexidade das realidades a que estamos sujeitos.
Insisto: na simplicidade do teu trabalho habitual, nos detalhes monótonos de cada dia, tens que descobrir o segredo — para tantos desconhecido — da grandeza e da novidade: o Amor” (São Josemaria Escrivá).
A chave para viver com plenitude o sacerdócio comum é contemplar o sobrenatural no cotidiano, nas coisas mais corriqueiras. Desse modo, o século se torna um grande altar, em que nos oferecemos a nós mesmos, como hóstias vivas, santas, agradáveis a Deus (cfr. Roma 12,1)[note]Constituição Dogmática Lumen Gentium, 10[/note] e também consagramos cada realidade e fato. Assim, portanto, mergulharemos constantemente no mistério da Santa Missa, não mais como expectadores, mas faremos dessa espiritualidade o centro de nossa vida interior.
Em Cristo, ser profeta
Ser profeta não é fazer previsões sobre o futuro. A profecia nasce de uma convicção plena daquilo em que se crê. A vida do batizado, portanto, se transfigura, a partir do mistério batismal, e se torna luz de Cristo em meio às realidades em que está inserido.
No entanto, quando não frequentamos os sacramentos deixamos de ser luzeiros em meio às trevas e mergulhamos na escuridão da dúvida, do pecado e da indiferença. Não é incomum observar homens sem força e vigor.
Essa letargia nasce da negação do chamado inicial a ser profeta e, portanto, na abstenção de ser, com violência e radicalidade, ser outro Cristo no mundo de hoje.
Os leigos são “chamados a fazer brilhar a novidade e a força do Evangelho na sua vida quotidiana, familiar e social, e a manifestar, com paciência e coragem, nas contradições da época presente, a sua esperança na glória também por meio das estruturas da vida secular”[note]Exortação Apostólica Chistifideles Laici, 14[/note].
Nossa missão de leigos consiste em revelar ao mundo, por meio de nosso testemunho concreto, palavras e ações, o sentido sobrenatural da vida, o objetivo final de cada homem, que é viver a comunhão plena com Deus.
Se fordes aquilo que devereis ser, tocareis fogo no mundo inteiro!” (Santa Catarina de Sena).
É esse o desafio que deve nos mover: cada homem e mulher neste mundo precisa ter um encontro com Cristo e o único Evangelho a que muitos terão acesso é a nossa vida, nossas atitudes cotidianas e nosso testemunho, na maioria das vezes, silencioso nas palavras, mas eloquente nos atos. Enquanto permanecemos acovardados, há muitos mergulhados nas trevas do erro e da ignorância, ansiando uma vida convicta e íntegra que seja seta que aponta para o Cristo.
Em Cristo, ser rei
Cristo é o Rei do Universo. Isso significa que, além dos poderes temporais, das lógicas das relações que são estabelecidas na sociedade, somos cidadãos e súditos desse Rei, portanto temos a missão de propagar os valores desse reino e defendê-los com a nossa própria vida, com virilidade e firmeza.
Em tempos de redes sociais e frequentes ataques a cristãos, muitos defendem uma cruzada. No entanto, a provocação que gostaria de lançar aqui é a seguinte: até que ponto o reino de Cristo é soberano sem seu coração? O pecado não tem te escravizado e se tornado seu senhor? Diante dessas questões, a cruzada mais urgente é a batalha sangrenta que devemos travar para devolver o trono do nosso coração ao Rei a quem realmente ansiamos por servir: Jesus Cristo.
Reordenando o interior, com e pela graça, teremos condições de emanar na sociedade os valores do Reino de Amor, ordenando “as coisas criadas para o verdadeiro bem do homem”[note]Exortação Apostólica Chistifideles Laici, 14[/note].
Conheço muitos que, como eu, anseiam uma vida cristã mais profunda e radical. Apesar de procurarmos, a resposta não está fora de nós. O chamado de Deus é pessoal e a resposta também.
A consagração batismal é um desafio fascinante que deve a cada dia nos provocar e levar à convicção de que as lutas para vivê-lo com profundidade são um caminho seguro para alcançar a santidade, chamado universal.
O desafio está posto: lançai as redes! Seja, em Cristo, sacerdote profeta e rei!
Bravus, pela hombridade!
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