A pureza viriliza o caráter – Parte I: Plano natural e sobrenatural
“A pureza limpidíssima de toda a vida de João torna-o forte diante da Cruz. — Os outros Apóstolos fogem do Gólgota; ele, com a Mãe de Cristo, fica. — Não esqueças que a pureza fortalece, viriliza o caráter.”[note]S. Josemaria Escrivá, Caminho, n. 144[/note]
Das muitas virtudes jogadas para escanteio pelo mundo moderno, a pureza é certamente uma das mais notórias. Enquanto as mulheres historicamente sempre guardaram-na mais — hoje, infelizmente, talvez não possamos mais dizer o mesmo —, é certo que ela nunca esteve muito em conta entre os homens. Como veremos, contudo, no decorrer deste artigo de duas partes, a pureza do homem é fundamental: um homem que cresce em pureza também cresce em virilidade.
Em sentido amplo e genérico, pode-se entender a pureza como a prática do bem moral. É o que Nosso Senhor nos diz, quando corrige certa interpretação judaica vétero-testamentária, erroneamente atrelada ao exterior e ao material:
“Não é aquilo que entra pela boca que mancha o homem, mas aquilo que sai dele. […] Ao contrário, aquilo que sai da boca provém do coração, e é isso o que mancha o homem. Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias. Eis o que mancha o homem. Comer, porém, sem ter lavado as mãos, isso não mancha o homem.” (Mt 15, 11.18-20)
Em contrapartida, em sentido específico, nos âmbitos corporal e sexual, podemos definir a pureza como “a virtude que nos faz respeitar a ordem estabelecida por Deus no uso do prazer que acompanha a propagação da vida”[note]Ricardo Sada, Alfonso Monroy. Curso de Teologia Moral. Rei dos Livros, 1989.[/note]. É neste sentido que trataremos a pureza aqui.
É extremamente comum enxergar a pureza como um acúmulo de proibições e negações (“não veja isso”, “não pense nisso”, “não faça isso”, …). Tal visão, contudo, é deveras simplista. A virtude da pureza é eminentemente positiva, uma afirmação do Amor que se manifesta em dois planos, o natural e o sobrenatural.
A pureza no plano natural
No plano natural, a pureza é a afirmação do homem cujo espírito domina suas potências inferiores.
“Entre todos os seres animados, o homem é o único que pode gloriar-se de ter recebido de Deus uma lei: animal dotado de razão, capaz de compreender e de discernir, ele regulará o seu procedimento dispondo da sua liberdade e da sua razão, na submissão Àquele que tudo lhe submeteu”[note]Tertuliano. Adversos Marcionem apud Catecismo da Igreja Católica, n. 1951[/note]
O homem é uma criatura única no plano da Criação. Nem puramente animal, como os demais seres animados que habitam nosso planeta, nem puramente espiritual, como os seres angelicais. É justamente por nossas potências espirituais nos tornarem superiores aos outros animais que nosso espírito deve submeter os instintos animais. Entregar-se aos instintos é, como afirma C. S. Lewis, arruinar a própria vida:
“A submissão a todos os nossos desejos obviamente leva à impotência, à doença, à inveja, à mentira, à dissimulação, a tudo, enfim, que é contrário à saúde, ao bom humor e à franqueza. Para qualquer tipo de felicidade, mesmo neste mundo, é necessário comedimento. Logo, a afirmação de que qualquer desejo é saudável e razoável só porque é forte não significa coisa alguma. Todo homem são e civilizado deve ter um conjunto de princípios pelos quais rejeita alguns desejos e admite outros. Um homem se baseia em princípios cristãos, outro se baseia em princípios de higiene, e outro, ainda, em princípios sociológicos. O verdadeiro conflito não é o do cristianismo contra a ‘natureza’, mas dos princípios cristãos contra outros princípios de controle da ‘natureza’. A ‘natureza’ (no sentido de um desejo natural) terá de ser controlada de um jeito ou de outro, a não ser que queiramos arruinar nossa vida. ”[note]C. S. Lewis. Cristianismo Puro e Simples, Livro III, Cap. 5[/note]
Há algumas décadas, porém, advoga-se que o homem deve explorar seus instintos, que isso o tornaria mais livre, mais feliz. Não fazê-lo seria “viver reprimido”. Em nosso país isto virou até mesmo tema de música, cujos trechos que considero mais relevantes seguem abaixo:
Não segure muito teus instintos / Porque isso não é natural
[..]Vá em frente, entra numa boa / Porque a vida é uma festa
Não controle, não domine, não modere / Tudo isso faz muito mal
Deixe que a mente se relaxe / Faça o que mandar o coraçãoNão se reprima / Não se reprima
(Menudo. “Não se reprima”)
Há uma diferença entre a “repressão” em seu significado técnico, conforme o ensina a psicologia, e o que o senso comum entende por “repressão”, conforme nos esclarece o autor das Crônicas de Nárnia:
“[…] as pessoas muitas vezes não entendem o que a psicologia quer dizer com ‘repressão’. Ela nos ensinou que o sexo ‘reprimido’ é perigoso. Nesse caso, porém, ‘reprimido’ é um termo técnico: não significa ‘suprimido’ no sentido de ‘negado’ ou ‘proibido’. Um desejo ou pensamento reprimido é o que foi jogado para o fundo do subconsciente (em geral na infância) e só pode surgir na mente de forma disfarçada ou irreconhecível. Ao paciente, a sexualidade reprimida não parece nem mesmo ter relação com a sexualidade. Quando um adolescente ou um adulto se empenha em resistir a um desejo consciente, não está lidando com a repressão nem corre o risco de a estar criando. Pelo contrário, os que tentam seriamente ser castos têm mais consciência de sua sexualidade e logo passam a conhecê-la melhor que qualquer outra pessoa. Acabam conhecendo seus desejos como Wellington conhecia Napoleão ou Sherlock Holmes conhecia Moriarty; como um apanhador de ratos conhece ratos ou como um encanador conhece um cano com vazamento. A virtude — mesmo o esforço para alcançá-la — traz a luz; a libertinagem traz apenas brumas.”[note]Id.[/note]
O que à primeira vista parece liberdade, trata-se no fundo de libertinagem, cujo fruto mais amargo é a escravidão. Um homem que se deixa dominar pelos instintos animais é um escravo de seus vícios, não é mais senhor de si, já não é livre.
“Segundo as palavras da primeira Carta aos Coríntios, o homem em que a concupiscência prevalece sobre a espiritualidade — isto é ‘o corpo animal’ (1 Cor 15, 44) — é condenado à morte; deve porém ressurgir um ‘corpo espiritual’, o homem em que o espírito obterá uma justa supremacia sobre o corpo, a espiritualidade sobre a sensualidade.”[note]Papa S. João Paulo II. Audiência Geral de 10 de Fevereiro de 1982.[/note]
A pureza no plano sobrenatural
No plano sobrenatural, a pureza é a afirmação do homem que participa do próprio amor de Deus, o único capaz de saciar plenamente seu coração. Porém, se permite que o amor próprio e as satisfações egoístas invadam seu coração, ele não se saciará, e crescerá um desejo cada vez maior por prazeres mundanos, dentre os quais, com particular força, o prazer sexual. Disto percebemos que a pureza é pilar do mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas.
“Esta é a vontade de Deus: A vossa santificação; que eviteis a impureza; que cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santidade e honra, sem se deixar levar pelas paixões desregradas, como fazem os gentios, que não conhecem a Deus” (I Tess 4, 3-5)
“O cristianismo é praticamente a única entre as grandes religiões que aprova por completo o corpo — que acredita que a matéria é uma coisa boa, que o próprio Deus tomou a forma humana e que um novo tipo de corpo nos será dado no Paraíso e será parte essencial da nossa felicidade, beleza e energia. O cristianismo exaltou o casamento mais que qualquer outra religião; e quase todos os grandes poemas de amor foram compostos por cristãos. Se alguém disser que o sexo, em si, é algo mau, o cristianismo refuta essa afirmativa instantaneamente.”[note]C. S. Lewis. op. cit., loc. cit.[/note]
Na próxima, e última parte, trataremos da pureza do homem e de sua vivência viril.
E você, bravo leitor, como enxerga a pureza nos planos natural e sobrenatural?
Bravus, pela hombridade.
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