Hombridade outfit: caricatura de homem num mundo de aparências
O hype do momento é o tal do “quanto custa o outfit”, imortalizado nos memes de internet do “gordinho do outfit”. O vídeo não é algo interessantíssimo de se assistir, de forma que, se você não assistiu, não está perdendo nada. De qualquer modo, é um assunto sobre o qual uma reflexão merece ser feita.
A ideia por trás do vídeo é realizar uma espécie de competição para determinar quem possui a vestimenta (outfit) mais cara. Como era de se esperar, havaianas, bermuda e camisa de futebol comprada em camelô passam longe. Nos vídeos que lançaram a moda, jovens exibem roupas de marcas de luxo cuja soma, por vezes, ultrapassa o valor de carros populares.
A moda do outfit, ao que tudo indica, é uma reedição da moda da ostentação, que invadiu o meio popular há cerca de 4 anos. Naquela ocasião escrevi o seguinte, que penso ser ainda válido:
Vivemos no que poderia, tranquilamente, ser chamado de Era da Ostentação. Que uma das notas da modernidade seja o materialismo, isto vem sendo facilmente observado há um bom tempo e continua muito válido. Recentemente, recordou-nos disto o Papa Francisco, ao dizer que “a ambição do poder e do ter não conhece limites” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n. 56). Agora, porém, não basta ao homem ter cada vez mais posses materiais e possuir um poder crescente — subentenda-se aqui as mais diversas formas de poder: influências sociais, status, e mesmo a posse de conhecimento. Não! O homem de hoje precisa também ostentar seus bens, materiais e imateriais, perante os outros.
Pode-se perceber manifestações deste fenômeno nas redes sociais: perfis recheados de selfies — em sua maioria de pessoas exibindo seus corpos e seus bens materiais —, de fotos de viagens luxuosas e também de certas disputas de influência. Infelizmente, mesmo no meio católico, nota-se uma disputa pelo número de seguidores e a presença constante do vanglorioso hábito de escrachar alguém num debate e publicar a captura de tela em diversos grupos. Outras manifestações podem ser vistas nos programas de reality show — o sonho de ficar famoso da noite para o dia pela simples ostentação de sua imagem pública (de seus corpos, principalmente) e viver da fama — e, como exemplo mais atual, na moda de se colocar aparelhos ortodônticos mesmo quando não há necessidade.
A moda do outfit é a moda das aparências. Quando somos vazios de espírito e pouco seguros de nós mesmos, resta-nos ressaltar nosso exterior de alguma forma, de modo a atrair atenção sobre nós mesmos, massageando nosso ego e acalmando nosso espírito.
A ótica das aparências
Não pense, porém, bravo leitor, que estamos imunes à questão do outfit simplesmente por possuirmos um guarda-roupa modesto, despido de luxo. A verdade é que o problema das aparências manifesta-se de diversas outras formas.
Dar mais valor ao exterior em detrimento do interior não é nenhuma novidade na história humana. Quantas histórias – antigas e novas – de homens que abriram mão de um de seus bens mais valiosos, sua própria honradez, para obter poder e dinheiro por meio do roubo ou mesmo da morte de outros? Alertam-nos as Sagradas Escrituras:
“Mas o Senhor disse a Samuel: ‘Não te impressione a sua aparência nem a sua elevada estatura: eu o rejeitei. Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas o Senhor olha o coração.’” (I Sm XVI, 7 [Jerusalém])
Essa nossa dificuldade em tomar consciência de que aquilo que importa se encontra na profundidade do interior, ao invés de satisfazer-nos com a superficialidade do exterior, faz com que passemos a enxergar o mundo de forma totalmente distorcida.
De tanto olhar o mundo sob a ótica do outfit, das aparências, a tendência é que passemos a operar segundo essa mesma ótica, aplicando-a nas mais diversas áreas de nossa vida. Acabamos caindo num ciclo vicioso onde impera o materialismo, onde – conforme o famoso e verdadeiro clichê – o ter vale mais do que o ser, onde a aparência e o exterior valem mais do que o interior e a verdadeira essência.
E então chegamos ao tema central deste artigo, a hombridade outfit.
Hombridade outfit
O homem outfit é aquele com aparência de homem crescido, adulto, mas cujo interior assemelha-se ao de um guri adolescente, tamanho é o subdesenvolvimento de seu aspecto emocional e espiritual e daquelas notas mais próprias de um homem.
Ao longo de sua caminhada, depois de alguns murros em ponta de faca, é bem provável que um homem outfit tome consciência de sua fragilidade interior. A resposta, contudo, geralmente toma a direção errada. Uma vez que é muitíssimo mais fácil mudar o exterior do que o interior, ocorre uma fixação naquele aspecto em detrimento deste, que é justamente onde se encontra a causa de tudo.
O resultado é essa caricatura de homem tão comum na internet, afetado em sua aparência e atitudes. É o jovem recém-saído da escola, que cultiva barba mesmo sem os pêlos faciais bem definidos, que anda de terno ou usa suspensório mesmo quando vai à praia, sai gritando “ESTO VIR” enquanto fuma seu cachimbo e bebe cerveja artesanal numa caneca duas vezes mais larga que seu braço. Por fora, alguém que se veste como homem, com certos hobbies “de macho”, que pode agradar ao mundo e até mesmo enganá-lo. Por dentro, contudo, uma força de vontade enfraquecida e dormente, altamente preguiçoso e com baixa resiliência, que quebra no primeiro vento contrário.
O que realmente importa
Se o problema está em dar um peso maior ao exterior do que ao interior, a solução passa por alinhar esses dois aspectos do homem. Isso não significa que o exterior — a aparência e atitudes de um homem — não tenha sua importância. Contudo, amparado na teologia das virtudes do pudor e da modéstia, sabemos que o exterior não deve ser nada mais do que o reflexo do interior de um homem, pois já dizia o Papa Pio XII que “a sociedade fala o que é pelas roupas que veste”.
É no interior, naquilo que reside no oculto de seu coração, que o homem tem seu valor. É partindo daí, de dentro para fora, que Deus sonda e julga o homem. E é também o nosso interior que precisamos primeiramente ordenar e fortalecer, para que, então, de modo natural e orgânico, o nosso exterior também seja trabalhado, tanto em nossa aparência como em nossas atitudes e comportamentos. É o que nos recorda em diferentes momentos as Sagradas Escrituras:
- “Não avalies um homem pela sua aparência, não desprezes um homem pelo seu aspecto.” (Eclo XI, 2 [Ave Maria])
- “Não julgueis pela aparência, mas julgai conforme a justiça.” (Jo VII, 24 [Ave Maria])
- “Vós julgais segundo a aparência; eu não julgo ninguém.” (Jo VIII, 15 [Ave Maria])
- “Julgais as coisas pela aparência!… Quem se gloria de pertencer a Cristo considere que, como ele é de Cristo, assim também nóso somos.” (II Cor X, 7 [Ave Maria])
- “E lhe enviaram os seus discípulos, juntamente com os herodianos, para lhe dizerem: ‘Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não dás preferência a ninguém, pois não consideras um homem pelas aparências.’” (Mt XXII, 16 [Jerusalém])
Temos consciência de que vivemos numa época muito perturbada. Olhando a situação como se encontra o mundo ao nosso redor, paira aquela dúvida: é possível que este seja o período difícil dos últimos dias, descrito por São Paulo à Timóteo, quando
“os homens se tornarão egoístas, avarentos, fanfarrões, soberbos, rebeldes aos pais, ingratos, malvados, desalmados, desleais, caluniadores, devassos, cruéis, inimigos dos bons, traidores, insolentes, cegos de orgulho, amigos dos prazeres e não de Deus, ostentarão a aparência de piedade, mas desdenharão a realidade” (II Tm III, 1-5 [Ave Maria]).
Nossa arma para este combate, porém, é mais forte do que nossos inimigos, e nos é confirmada pelo próprio São Paulo, na continuação da mesma perícope:
“Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e creste. Sabes de quem aprendeste. E desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que elas têm o condão de te proporcionar a sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra.” (II Tm III, 14-17 [Ave Maria]).
Amparados na força da Escritura, mantenhamos uma vida de oração sob o patrocínio de São José, e busquemos desenvolver as virtudes que nos santificam. (Nos arquivos de nosso site já tratamos de algumas dessas virtudes: a pureza que nos viriliza o caráter, a fortaleza contra as tribulações, a magnanimidade, e muitas outras disponíveis aqui.)
“Não consista o vosso adorno em exterioridades [..], mas nas qualidades pessoais internas, isto é, na incorruptibilidade de um espírito manso e tranqüilo, que é coisa preciosa diante de Deus.” ( I Pd 3, 3-4 [Jerusalém])
Finalizo convidando o bravo leitor a refletir e compartilhar conosco, a partir desta fala de São Pedro, que, embora dada às esposas, pode muito bem ser aplicada a cada um de nós: no seu círculo mais próximo de convivência, você encontra homens que supervalorizam o exterior em detrimento do interior? Quais suas dificuldades nesta luta para fortalecer o interior?
Bravus
Pela hombridade!
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