O corpo do homem e a castidade
“A corrupção do corpo, que pesa sobre a alma, não é a causa do primeiro pecado, mas o castigo; nem é a carne corruptível que faz a alma pecadora, mas é a alma pecadora que faz a carne ser corruptível” (Santo Agostinho, Cidade de Deus, 14, 3, 2)
Impera ainda uma visão, de origem platônica, que coloca de um lado a alma, como algo intrinsecamente bom, e o corpo, como algo intrinsecamente ruim. Tomando por base esse pensamento que antagoniza e divide o homem, atribuem-se às “coisas” corporais os vícios, o pecado (da carne), a concupiscência, a fraqueza etc. Às coisas da alma, em contrapartida, são ligadas as virtudes, a pureza, a santidade, entre outros. Não é de se estranhar que, baseados erroneamente nessa dicotomia apresentada, perdura uma visão extremamente negativa da sexualidade e do prazer, como se a própria Igreja negasse o sexo, fosse opressora quanto à realidade corporal, impondo castigos severos, penitências, exercícios ascéticos extremamente extenuantes… A caricatura do monge que se autoflagela e usa cilício nos livros de Dan Brown representa bem essa visão. Outro ponto que contribui negativamente para essa concepção é a relação entre pecado original e sexualidade, o que tornou a própria maçã (mordida) como símbolo do pecado. No entanto, qual é o lugar que o corpo ocupa na economia da salvação e, portanto, na vida da própria Igreja?
Imagem e semelhança
“A afirmação de que o homem foi feito ‘à imagem e semelhança de Deus’ significa assim que o homem resume o que há de mais perfeito na criação: a natureza espiritual (comum aos anjos) e a natureza material. O homem é a síntese da criação, um ‘microcosmos’ e essa é a fonte de sua altíssima dignidade” (Pe. Anderson Alves, Doutor em filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma).
De acordo com São Tomás de Aquino, mencionado pelo excerto do artigo do padre Anderson Alves, a natureza material e, portanto, a corporeidade, e a capacidade de se reproduzir, compõem a “altíssima dignidade humana”. Deus criou o homem com duas naturezas: a espiritual e a material.
O corpo do homem, portanto, é algo desejado pelo próprio Criador. Por meio do corpo, o homem torna-se co-criador, gera outros homens e, desse modo, participa da natureza divina e torna-se um sinal da comunhão trinitária.
Nessa perspectiva, o corpo não é uma prisão para a alma, como poderia apontar uma visão platônica de mundo. Ambas as naturezas (material e espiritual) têm a mesma dignidade e são intrínsecas ao próprio homem, ao ponto que o Catecismo da Igreja Católica, em seu parágrafo 365, afirma: “o espírito e a matéria no homem não são duas naturezas unidas, mas a união deles forma uma única natureza”.
Isto é o meu corpo! (Mc 14, 22)
O protagonismo do corpo no cristianismo conquista seu ápice na encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo que, possuindo um corpo humano em estado de graça, elevou-o a instrumento salvífico e meio para concretizar a caridade vivida no seio da Santíssima Trindade. O corpo, em Cristo, é o meio pelo qual o amor se realiza concretamente: quando ele trabalha, quando celebra e festeja, quando alimenta o povo, quando conversa e orienta seus amigos, quando cura os doentes, quando ressuscita os mortos, quando agoniza no Getsêmani, quando é flagelado, quando é crucificado e, sobretudo, quando ressuscita. Além disso, a instituição da Eucaristia coroa o sentido místico do corpo na espiritualidade: Jesus dá o seu próprio corpo para nos nutrir, tanto fisicamente quanto espiritualmente, ou seja, o Corpo de Cristo alimenta nossa natureza em sua totalidade (material e espiritual).
Desse modo, não é compatível com a visão cristã de mundo a acepção negativa do corpo. Ele não é a âncora que nos arrasta para baixo, impedindo-nos de nos elevar aos céus. Pelo contrário, ele é um instrumento para que trilhemos esse caminho rumo à santidade.
A idolatria do corpo
O corpo, em sua essência, é algo bom, como visto nos parágrafos anteriores. No entanto, a desordem instalada pelo pecado na alma faz com que desvie de sua finalidade: o que foi criado para nos aproximar de Deus, para ser um instrumento de caridade, passa a nos afastar dEle, alimenta nossa soberba e egoísmo.
Disso nascem as piores desordens (excessos), como a fornicação, a masturbação, a pornografia, a gula, o culto ao corpo e, o pior de todos eles, o aborto (é a inversão demoníaca da altíssima dignidade do ser humano). De outro lado, há também pontos relevantes, resultado da própria negação da corporeidade, como a falta de zêlo com a saúde, a negação da sexualidade como um dom de Deus, o sedentarismo, entre outros.
Os dois extremos são ruins e prejudiciais, são simulacros do fim último do corpo do homem.
Um sacrifício vivo e agradável a Deus
“Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual” (Rm 12,1).
O remédio para um correto entendimento do corpo como instrumento de Deus é adotar o caminho virtuoso, ou seja, a via da castidade. Negar a corporeidade é tão ruim quanto os vícios originados pelos excessos. A cura para o corpo está justamente em, aceitando-o, ofertá-lo, no altar da vida, a Deus, a exemplo do que fez o próprio Cristo.
Não à toa devemos buscar a sabedoria da Santa Igreja para perceber, ao longo da história, como os santos transformaram seus próprios corpos em instrumento de santificação para si mesmos e para os demais. Mesmo nos exemplos de maior ascese, em que o corpo experimentava os limites dos jejuns e dos duros exercícios e dores, a finalidade nunca foi negar o caráter positivo do corpo, mas, sim, uni-lo à ascese espiritual que aquela alma já havia atingido. Trata-se, portanto, de uma via positiva, não negativa.
Desse modo, quando nos propomos a viver uma relação equilibrada (via virtuosa) com o nosso próprio corpo, passamos a transformá-lo num sinal de salvação e reconhecê-lo como Templo do Espírito Santo.
Praticar exercícios físicos e atividades esportivas, alimentar-se de maneira saudável, viver uma sexualidade de acordo com os planos de Deus, vestir-se adequadamente, cuidar de si mesmo, respeitar o corpo dos demais e sua dignidade são instrumentos de santificação e antídotos para os excessos que pululam nos dia de hoje.
Aliás, tais instrumentos são ótimas opções para aqueles que encontram na castidade uma pedra de tropeço. Dessa maneira, é bem provável que sua luta contra o pecado encontre êxito se aceitar seu corpo como dom de Deus e não negá-lo. Fortalecer o corpo, consequentemente, vai produzir bons frutos para a alma: é uma via dupla.
Que, pela intercessão de São José e de Maria Santíssima, sejamos homens fortes e viris, para tomarmos a frente da urgente batalha pela santidade.
Bravus, pela hombridade.
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manda os trem sô