A grande graça do hoje

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“A minha vida é um só instante, uma hora passageira, a minha vida é um só dia que me escapa e me foge. Tu sabes, ó meu Deus! Para amar-Te na Terra só tenho o dia de hoje! (Santa Teresinha do Menino Jesus)

Há um grande abismo que nos faz perceber quando um homem atingiu a maturidade necessária: ele não vive preso ao passado e nem se prende a devaneios acerca do futuro; um homem maduro vive o hoje, o momento presente.

A vida no passado

É certo que o passado exerce grande influência sobre o que somos hoje. No entanto, é simplesmente isso. É um grave erro ficar preso no passado ou culpando uma história pregressa, suas marcas e suas dores, revivendo-as, ou mesmo, saudosamente, suspirar querendo que algo bom retorne. Culpar os pais por algo que fizeram ou que se deixou de fazer, pelo que se teve ou pelo que fez falta; culpar a Deus pelas dores e marcas que geraram grandes cicatrizes em nossa vida.

A crítica que teço aqui não diz respeito a negar tudo o que é passado, pelo contrário. Nossa história, em suas alegrias, lutas, derrotas e perdas, faz parte, inquestionavelmente, do que somos hoje. O problema é permanecer com os olhos voltados para trás. É ficar como a esposa de Ló, presa no que passou, o que fez com que ela virasse uma estátua de sal. Quantos homens que conheço são assim: revivem cada dor do passado, daquilo que nem sequer podem modificar, e não têm forças para virar o pescoço e perceberem-se como personagens principais em sua própria história. Congelados constantemente, enquanto o tempo e a vida passam.

A vida no futuro

Do mesmo modo, há quem nunca toque a realidade, porque, justamente, está sempre com os pensamentos fixos no que virá. E não digo em relação à santidade, ao Céu ou ao encontro com Deus na eternidade, mas sim, nos sonhos que tem, nos bens que pretende conseguir, no futuro brilhante que tem pela frente… em projetos que podem nunca virem a se concretizar. É como uma criança que sonha com suas histórias, em ter os poderes do super herói preferido, de salvar o mundo ou coisa do tipo. Não estou dizendo, de modo algum, que planejar, se preparar, construir sua vida com prudência é algo ruim. Pelo contrário, isso é o que o Nosso Senhor Jesus Cristo ensina no Evangelho de São Lucas:

“Quem de vós, querendo fazer uma construção, antes não se senta para calcular os gastos que são necessários, a fim de ver se tem com que acabá-la? Para que, depois que tiver lançado os alicerces e não puder acabá-la, todos os que o virem não comecem a zombar dele, dizendo: Este homem principiou a edificar, mas não pode terminar.” (Lc 14, 28-30)

Algo que pode passar despercebido no texto do Evangelho é que a prudência está justamente na capacidade de se olhar o futuro, sim, mas com os pés enraizados no presente. Do contrário, há grandes chances de o empreendimento não ser bem-sucedido.

A vida no presente

“Queres de verdade ser santo? – Cumpre o pequeno dever de cada momento; faz o que deves e está no que fazes” (São Josemaría Escrivá).

Nem sempre o presente corresponde ao que sonhávamos em nossa adolescência ou infância. Tenho quase certeza de que a nossa imaginação, naquele período, projetava uma vida muito mais fácil, com situações resolvidas, necessidades mais bem estabelecidas. Ou mesmo como problemas antigos sendo já superados, tanto em nível pessoal quanto familiar. 

O momento presente é sempre muito difícil, por mais tranquila que a sua vida possa ser (o que acho bastante improvável). Deparar-se com os mesmos defeitos, dia após dia, com “muita” luta e, às vezes, pouca evolução; encontrar os velhos problemas familiares, os pais separados, os irmãos, por vezes, problemáticos, as situações que não se resolvem, filhos doentes etc. Enfrentar a situação de um trabalho nem sempre motivador, enfermidade, problemas financeiros ou mesmo desemprego, que castiga e consome a mente, as forças e o coração. Tudo isso não é fácil e nunca será. Diante disso, tendemos a repetir dois movimentos: ou embriagar-se com o passado ou divagar nas possibilidades do futuro. Enquanto isso, o tempo, que é nosso bem mais precioso, passa, escorrega por entre nossos dedos e não retorna jamais.

“Eu lhes asseguro, meus filhos, que quando um cristão desempenha com amor a mais intranscendente das ações diárias, está desempenhando algo donde transborda a transcendência de Deus. Por isso tenho repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em transformar em poesia heróica a prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não: onde de verdade se juntam é no coração, quando se vive santamente a vida diária…” (São Josemaría Escrivá).

É preciso pedir, a Nosso Senhor Jesus Cristo, a graça de descobrir a grande riqueza do hoje. Não como aqueles velhos que querem sempre ser adolescentes e inconsequentes, experimentando prazeres sem responsabilidade. Pelo contrário, como homens que, no lugar em que estão, nas situações que se apresentam, contemplam o Cristo ressuscitado mesmo na vida crucificada. É um grande mistério de amor perceber que além da cruz está a ressurreição. E, batizados no Cristo, nossa vida crucificada, ao ofertarmos cada instante de nossa história no altar da nossa vida, poderemos, enfim, ressuscitar com Ele.

Convoco você, homem de Deus, a abraçar a sua cruz de hoje, com coragem e vigor! Lute até que suas forças se esgotem e, quando isso acontecer, abrace a Cruz e clame ao Pai que cuide do que resta, oferecendo sua vida a Ele, com fé, como o próprio Cristo fez na Cruz: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito”. Ele jamais te abandonará. É a morte do homem velho e o nascimento do filho, à luz de Cristo. É a constante morte que estamos chamados a viver para poder, então, ressuscitar. É a maturidade de um homem que abraça a sua vocação com plenitude, fé e vigor.

De modo algum a Cruz é derrota para nós, mas, em Nosso Senhor Jesus Cristo, é vitória. Levante-se, mas com os braços abertos na cruz, e permita que o Pai transfigure sua vida.

 

Bravus, pela hombridade. 

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