A virilidade do desapego
O ser humano na sua contemporaneidade tem sofrido muitos ataques no que tange à formação da personalidade. Nesse sentido, a virilidade sofre tanto quanto a busca incessante pela Verdade. Como consequência, temos a relatividade dos valores e a decadência da personalidade viril, se tornando uma fragilidade da masculinidade.
A busca pela verdade não tem outra meta senão Deus. Essa identificação da alma com a Verdade caracteriza a raiz da vocação do ser humano, que é ser imagem e semelhança Dele. Quanto mais afastado de Deus, mas subjetiva fica a masculinidade. Para o homem cristão, essa busca e identificação só pode ser possível pela imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O primeiro capítulo do livro Imitação de Cristo trata justamente do desprezo de todas as vaidades do mundo. O caminho para se chegar a Deus passa pelo desapego. Se, por um lado, a virilidade pode acentuar uma brutalidade grotesca ao masculino, o desapego contribui para a construção do “perfeito” masculino, fazendo da virilidade parte integrante na sequela Christi, pois, cristo é o varão por excelência.
Erroneamente, alguns dicionários afirmam que desapego é a falta de amor, como sinônimo de indiferença. Etimologicamente a palavra desapego significa “não pegar” (não colocar nas mãos e reter para si). Ou seja, o desapego é essencialmente cristão, na medida em que o amor não domina, mas liberta. Exemplo de tamanho amor são os serafins, citados no livro de Isaias. De suas seis asas, duas cobrem o rosto, por terem tanto amor a Deus, o reverenciam, sentindo-se indignos de olhar sua face.
São Francisco de Assis foi um grande homem, imitador ferrenho de Nosso Senhor, conhecido como alter Christus. Segundo a tradição, Francisco se consumia tanto em chamas de amor, que foi colocado no trono de satanás, que estava vazio desde sua queda. Por tão grande desapego e imbuído desse amor seráfico, a Ordem Franciscana ficou conhecida como Ordem Seráfica. As Fontes Franciscanas versam a Pobreza do Santo Seráfico como sinônimo de “seguir as pegadas de Cristo”. Sendo assim, pobreza e desapego não se resume ao “não ter”, mas em ter a própria vida modelada em Cristo.
Sabemos que temos dificuldade de Imitar a Cristo por inteiro. Por isso, no seu Elogio às Virtudes, São Francisco afirma que “Quem possuir uma de vós (virtude) e não ofender as demais, a todas possui”. Ou seja, quem possui uma única virtude, possui todas. A teologia seráfica acredita que, cultivar virtudes afugenta o pecado. Por isso, São Francisco escolhe imitar como virtude a pobreza de Nosso Senhor, e a tem como fundamento de todas as virtudes.
É necessário que a alma dome até as menores paixões para alcançar a união com Deus. A razão é porque o estado de união divina consiste em que a alma seja toda transformada na vontade de Deus, de sorte que a vontade de Deus seja o único princípio e o único motivo, que a faça agir em todas as coisas, como se a vontade de Deus e a vontade da alma não fossem senão uma única vontade. Ora, essa transformação é necessária porque sem ela a alma poderia sentir-se propensa a certas imperfeições que degradariam ao Senhor, pois quereria o que Ele não quer.”(S. João da Cruz)
Nosso Senhor foi obediente à vontade do Pai e amou ao próximo, doando sua vida pela salvação do Gênero humano. O desapego kenotico, ou seja o esvaziamento de si próprio em adesão à vontade divina, unido à virtude da obediência e à doação formam o homem cristão. O homem que esquece de si e doa sua vida pela família e no serviço a Deus.
Quem não renuncia a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33).
O espírito de renúncia e o desapego se completam ao sofrimento e à cruz de Nosso Senhor: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (Mt 10,38). Nessa dinâmica, morre o homem velho, dando espaço para a maturidade do homem novo, espiritual. O desapegar-se implica combate, renúncias e dor, que logo são extinguidas diante do gozo da alma recompensada por fazer a vontade de Deus.
Porém, fica a dúvida, se Jesus pede: “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração (Mt 6,19-21)”, como amar minha família e prover o necessário para o seu sustento, sem ter bens? Não se está negando aqui a necessidade dos bens materiais, pois estes são dons de Deus para nós. Ou seja, possuir os bens materiais, mas não se deixar possuir por eles.
Além de tudo, o desapego não se limita aos bens e às pessoas, é tudo aquilo que pode afetar meu relacionamento com Deus, me colocando em primeiro lugar. Despojar-se é abrir-se a Deus, deixando-o agir. Abrir mão das nossas vontades e verdades próprias para que Deus possa habitar inteiramente em nós.
O melhor remédio é a convicção profunda, fundada na razão e na fé, de que as riquezas não são um fim, senão meios que nos dá a Providência, para acudirmos às nossas necessidades e às de nossos irmãos; que Deus nunca deixa de ser o soberano Senhor delas; que nós, a bem dizer, não passamos de meros administradores e que um dia haveremos de dar conta delas ao Juiz Supremo. E depois, são bens que passam, que não levaremos conosco para a outra vida, onde não corre essa moeda; se somos prudentes, para o céu e não para a terra é que trataremos de capitalizar.” (Ad. Tanquerey)
Pax et Bonum!
*Frei Josemberg Cardozo Aranha é religioso da Ordem dos Frades Menores.
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