Paternidade: você nunca está preparado…
“a paternidade e a maternidade constituem uma «novidade» e uma riqueza tão sublime que apenas «de joelhos» é possível abeirar-se delas.”[note]São João Paulo II, Carta às Famílias Gratissimam Sane, 1994, n. 7[/note]
Nos últimos dias, recordamos a vocação sacerdotal analisando o tríplice múnus de ensinar, santificar e governar, pelos quais o sacerdote, através do serviço aos irmãos, busca a santificação da grei que o Senhor lhe confiou.
Dando seguimento às reflexões que estamos propondo para este mês vocacional, tratemos hoje da vocação à paternidade e, por conseguinte, da família, sua casa natural.
É notório que a sociedade ocidental passa por uma grande crise cultural, social e espiritual. Décadas de ideologias perniciosas contaminaram as mentes de todas as pessoas, a começar por nossos avós e pais: a silenciosa revolução cultural marxista, a libertina revolução sexual de 68, a aceitação pacífica do divórcio como “solução” corriqueira, o crescimento do Estado moderno usurpando atribuições típicas da família, a propagação daquele errôneo conceito de liberdade que termina em libertinagem, dentre outros.
Tudo isto abalou a fé no ambiente familiar, de modo que “foi muitas vezes interrompida a transmissão da própria fé dos pais aos filhos”[note]Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização, n.32[/note]. E, como cereja do bolo, instaurou-se o que podemos chamar de “cultura” do politicamente correto, dificultando ainda mais o já difícil trabalho das famílias na difusão da fé e dos valores cristãos.
Não surpreende que a família, núcleo vital da sociedade, foi uma das instituições mais afetadas por esta terrível crise que vivemos. E que também foi afetada a paternidade, consequência direta da vocação matrimonial e familiar acolhida pelo homem.
Tentarei abordar neste artigo algumas observações pessoais sobre esta questão, partindo de minha experiência própria, como pai de três filhos, e do que vejo ao meu redor.
Medo de crescer
Existe uma incompreensão comum sobre o que é a paternidade, o que causa no homem um sentimento de despreparo frente a algo tão sério e que parece tão complicado como a paternidade. Esta incompreensão é decorrente de outra, sobre a vida adulta. Permita-me explicar melhor.
Podemos facilmente observar que vivemos uma época de decadência dos valores e virtudes próprios do homem, dentre os quais enumero os seguintes:
- segurança: somos inseguros com relação ao que queremos e esperamos da vida;
- fortaleza: falta-nos aquela força interior, aquela garra de quem sabe o que quer e corre atrás para conseguir o que deseja;
- vontade: nossa vontade interior é muito enfraquecida, de modo que nos deixamos levar facilmente por nossas paixões e vícios;
- ordem: temos muita dificuldade em dar a nossos papéis – filhos, pais, amigos, estudantes, profissionais, cristãos – e atividades – estudo, formação intelectual, lazer, descanso, hobbies – a devida prioridade;
Você, bravo leitor, certamente percebe alguns destes pontos ao seu redor e também em si mesmo (afinal, somos todos filhos desta geração e sofremos suas consequências, não?).
As consequências desta falta de valor gerou nos adultos de nossa geração dois grandes medos: o da dor, incluso aí o sacrifício e a doação de si; e o de crescer, de assumir em plenitude os deveres e responsabilidades da vida adulta.
É interessante notar como, em certas culturas tribais, há um ritual de passagem da infância para a adultícia que geralmente envolve provas físicas e que causem dor. Deixando de lado as barbáries que estes rituais por vezes apresentam, há uma grande sabedoria contida aí: quando era menino, meu pai sacrifica-se por mim, assumia como suas as dores que cabiam a mim; agora que cresci e sou homem, devo assumir estas dores que a vida nos traz a todos e, em breve, oferecer-me também por minha prole.
Nós, ocidentais pós-modernos, há muito não temos rituais de passagem institucionalizados. Com a descristianização de nossa sociedade, perdemos também o referencial de sacrifício que Nosso Senhor Jesus Cristo nos apresentou com toda sua vida, culminando em Sua Paixão, repleta da dor benéfica do sacrifício salvífico da Cruz.
Quando um pré-adulto[note]Penso que é assim que podemos chamar aqueles adultos que insistem em não crescer[/note] vê que a vida é um “vale de lágrimas”, como rezamos na Salve Regina, opta por permanecer no estágio em que se encontra.
Pai: o sacrifício de um homem pelos seus
“O amor torna fecunda a dor e a dor torna profundo o amor.” (Santa Edith Stein)
Qual a relação disso com a paternidade? Devo ser franco. A paternidade custa. Ser um bom pai custa – e muito! – física, mental e espiritualmente. O desgaste físico é certamente o mais conhecido. As noites mal dormidas, as refeições por vezes apressadas, a rotina bagunçada pela chegada de um novo filho.
Depois, também o desgaste mental: as refeições silenciosas e calmas que não existem mais, as brigas entre irmãos que precisam ser apartadas. Bem como o desgaste espiritual, que se manifesta nos limites constantemente testados pelos filhos que já adquiriram certa autonomia, na firmeza necessária para domar aquele gênio forte, no esforço por chegar em casa sempre sorrindo, mesmo depois de um daqueles dias extremamente cansativos no trabalho.
Parece pesado, cansativo, não é? É, mas não é.
Tudo que é bom ou importante nessa vida exige de nós esforço, sacrifício. Quanta dedicação nos estudos para se formar numa universidade e depois numa pós-graduação. Quantos anos de trabalho suado para poder comprar a casa própria. E depois, quando alcançamos o objetivo e olhamos para trás, podemos dizer com plena convicção que valeu a pena.
Se nos sentimos assim com as coisas mundanas, quão mais realizados devemos nos sentir com algo como o dom da paternidade, que tem um quê de divino. Todo sacrifício e doação de si é recompensado com a benção de acompanhar o crescimento dos filhos, de rir com suas graças e renovar o fôlego com seus sorrisos.
Medo de ser feliz?
“Vede, os filhos são um dom de Deus: é uma recompensa o fruto das entranhas.” (Salmo 126)
A paternidade é muito bela! Disto só um louco duvidaria. Unir-se a Deus como cocriador na geração de uma nova vida, arrancar gargalhadas de um bebezinho, identificar de quem a criança herdou aquele seu comportamento e consolá-la nas muitas vezes em que chorará por algo tolo. São estas algumas das deliciosas tarefas que fazem parte da vida de quem é pai.
Há mais duas tarefas, as quais considero importantes demais e que merecem ser retratadas à parte. Primeiro, como um artesão, lapidar esse diamante bruto que é a criança em crescimento. Certos pontos exigirão do artesão muita força e persistência, como ao domar aquele comportamento forte, intempestivo e por vezes agressivo, a fim de substituí-lo por um comportamento virtuoso. Outros pontos, nos quais o diamante já parece lapidado, como naquela docilidade típica de criança, exigir-se-á delicadeza e paciência para evitar que maus costumes não criem raízes. Em outras palavras, ajudá-los a crescerem em virtudes humanas e sobrenaturais.
Por fim, a mais importante das tarefas, ajudar os filhos a crescerem cientes de que nossa meta última nesta terra não se encontra aqui, mas no céu, onde veremos a face de Deus. Auxiliar os filhos – nossos, mas primeiramente filhos de Deus – em sua santificação é uma das mais nobres missões que um ser humano pode ter.
Estas duas tarefas estão muito relacionadas. A criança cujos pais ajudam-na a adquirir virtudes terá uma vida de intimidade com Deus mais precoce e mais aguçada, e poderá lutar melhor por sua própria santificação.
A você, bravo leitor, faço um convite. Não tenha medo de ser feliz. Abrace a paternidade. Você nunca estará preparado… para tamanha alegria e benção. Você só tem a ganhar, aqui nesta vida e na eternidade.
Os filhos dos filhos são a coroa dos velhos, e a glória dos filhos são os pais. (Provérbios, 17, 6)
Compartilhe conosco suas impressões sobre a paternidade. Se já é pai, como é sê-lo? Se ainda não é, que tipo de pai você imagina que será?
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