Vocação Sacerdotal: Por Cristo, com Cristo e em Cristo servir aos irmãos – Parte I

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Estamos iniciando o mês de agosto, que no Brasil se dedica ao tema da “vocação”. Vocação significa “chamado”, pois Deus nos chama – indistintamente, a cada um de nós – em primeiro lugar à santidade: “Sede santos, como Eu sou Santo”. Esta vocação universal à santidade é a nossa vocação cristã de batizados. Santidade, portanto, não é um dever de alguns poucos na Igreja, mas de todos os fiéis. É uma busca constante que deve permear todas as nossas ações. Além da vocação à santidade, temos uma vocação específica: Deus que nos chama ser santos, nos convida a nos santificarmos numa missão precisa: alguns como sacerdotes, outros como leigos, solteiros ou casados, outros como religiosos. Todos nós somos convocados por Deus a uma missão no mundo e na vida da Igreja. Ninguém é cristão de segunda categoria, ou um cliente/expectador na Igreja. Somos discípulos missionários de Jesus Cristo, com distintos estados de vida, expressando assim em nossa comum vocação à santidade e diferentes vocações específicas, a unidade e diversidade da Igreja.

Neste primeiro domingo somos chamados a refletir sobre a vocação sacerdotal. Isso porque logo no início deste mês – 4 de agosto – celebramos São João Batista Maria Vianney – conhecido também como “Cura d’Ars”, que é um grande modelo de vida sacerdotal e padroeiro dos párocos. Neste artigo iremos, portanto, tratar sobre o sacerdócio, e o faremos abordando as três dimensões da missão do presbítero. Ele é configurado com Cristo no exercício dos “tria munera” que recebe, isto é, dos três ofícios de ensinar, santificar e governar. Ele participa do único sacerdócio de Cristo: Profeta, Sacerdote e Rei-Pastor.

Ensinar: o sacerdote é o Homem da Palavra

Comecemos então tratando do munus docendi, da tarefa de ensinar. Hoje vivemos numa grande confusão acerca das escolhas fundamentais da nossa vida e das interrogações sobre o que é o mundo, de onde viemos, para onde vamos, como fazer o bem, como devemos viver, quais são os valores realmente pertinentes. Em relação a tudo isto, existem muitas filosofias contrastantes, que nascem e desaparecem, criando confusão sobre as decisões fundamentais. Nesta situação realiza-se a palavra do Senhor, que teve compaixão da multidão porque eram como ovelhas sem pastor (cf. Mc 6, 34). O sacerdote, no meio desta confusão e na desorientação dos nossos tempos, deve tornar presente a luz da palavra de Deus, a luz que é o próprio Cristo neste nosso mundo.

Por conseguinte, o sacerdote não ensina as próprias ideias, uma filosofia que ele mesmo inventou, encontrou ou que gosta; o sacerdote não fala de si mesmo, não fala por si mesmo, talvez para criar admiradores ou um partido próprio; não diz coisas próprias, invenções suas para ter seus fãs e agradar ao mundo. O sacerdote ensina em nome de Cristo presente, propõe a verdade que é o próprio Cristo, a sua palavra, o seu modo de viver e de ir em frente.

Bispo sacerdote pregando ensinando crianças vocação sacerdotal

Bispo ensinando crianças através da pregação. Fonte: New Liturgical Movement

Isso não significa, por outro lado, que o sacerdote seja neutro, quase como um porta-voz que lê um texto do qual, talvez, nem se apropria. Mas é na identificação profunda com Cristo que o sacerdote anuncia a palavra de Cristo, a fé da Igreja. Como o padre não vive por si ou para si mesmo, mas com Cristo e em Cristo, tudo aquilo que Cristo nos disse torna-se palavra pessoal do sacerdote, não obstante não seja dele. A palavra não própria torna-se uma palavra profundamente pessoal. Por isso o ensinamento que o sacerdote é chamado a oferecer, as verdades da fé, devem ser interiorizadas e vividas num intenso caminho espiritual pessoal, de forma que realmente o sacerdote entre numa profunda, interior comunhão com o próprio Cristo. O sacerdote crê, acolhe e procura viver, antes de tudo, como próprio, tudo quanto o Senhor ensinou e a Igreja transmitiu. Antes de ser ordenado sacerdote, o candidato ao presbiterato recebe a ordenação diaconal. Dentro do rito de ordenação diaconal lhe é entregue o livro dos Evangelhos acompanhado por estas palavras envolventes: “Recebe o Evangelho de Cristo, do qual foste constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina o que creres e procura realizar o que ensinares”.

Assim, na preparação atenta da homilia e pregação, no esforço de formação catequética, nas escolas, nas instituições acadêmicas e, de modo especial, através daquele livro não escrito que é a própria vida, o sacerdote é sempre “professor”, ensina. Mas não com a presunção de quem impõe as próprias verdades, mas com a humilde e alegre certeza de quem encontrou a Verdade, foi capturado e transformado por ela, e por conseguinte não pode deixar de anunciá-la. O sacerdote é servidor da Verdade, nela deve estar imerso [note]”Ordenação sacerdotal significa: estar imersos (…) na Verdade” (Papa Bento, Homilia da Missa Crismal, 9 de Abril de 2009).[/note].

Verdade que não é simplesmente um conceito ou um conjunto de ideias a transmitir e assimilar, mas que é a Pessoa de Cristo, com a qual, pela qual e na qual vive e, assim, necessariamente, nasce também a atualidade e a compreensão do anúncio. A Sagrada Escritura, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja e o Catecismo da Igreja Católica constituem, a este propósito, pontos de referência imprescindíveis no exercício do “munus docendi” , tão essencial para a conversão, o caminho de fé e a salvação dos homens.

Santificar: o sacerdote é o Homem do Altar

Agora passemos para a segunda tarefa que o sacerdote tem: a de santificar os homens, “munus santificandi“, sobretudo mediante os Sacramentos e o culto da Igreja. “Santo” é a qualidade específica do ser de Deus, ou seja, absoluta verdade, bondade, amor e beleza – luz pura. Portanto, santificar uma pessoa significa colocá-la em contato com Deus, com este seu ser luz, verdade, amor puro, que transforma a pessoa. Nenhum homem por si mesmo, a partir da sua própria força, pode pôr o outro em contato com Deus. Uma parte essencial da graça do sacerdócio é o dom, a tarefa de criar este contato. Isto realiza-se no anúncio da palavra de Deus, na qual a sua luz vem ao nosso encontro. Realiza-se de um modo particular nos Sacramentos. A imersão no Mistério pascal de morte e ressurreição de Cristo que se verifica no Batismo, é revigorada na Confirmação e na Reconciliação, e alimentada pela Eucaristia, Sacramento que edifica a Igreja como Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo [note]Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores gregis, 32.[/note].

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Sacerdote celebrando a Santa Missa. Fonte: Salvem a Liturgia!

Portanto, é o próprio Cristo que santifica, ou seja, que nos atrai para a esfera de Deus. Mas como ato da sua misericórdia infinita chama alguns a “permanecer” com Ele (cf. Mc 3, 14) e a tornar-se, mediante o Sacramento da Ordem, não obstante a pobreza humana, partícipes do seu próprio Sacerdócio, ministros desta santificação, dispensadores dos seus mistérios, “pontes” do encontro com Ele, da sua mediação entre Deus e os homens, e entre os homens e Deus [note]Cf. Presbyterorum ordinis, 5.[/note].

É importante promover uma catequese adequada para ajudar os fiéis a compreender o valor dos Sacramentos, e também é igualmente necessário, a exemplo do Santo Cura d’Ars, que o sacerdote esteja disponível, e seja generoso e atento a transmitir aos irmãos os tesouros de graça que Deus depositou nas suas mãos, e dos quais o padre não é “senhor”, mas guardião e administrador. Celebrando piedosamente e corretamente a Santa Missa, estando disponível no confessionário, administrando os demais sacramentos com fé e amor, e instruindo os fiéis para frutuosa e piedosa participação nos sacramentos, o sacerdote faz com que todos os homens, unidos a Cristo, possam oferecer-se a Deus como hóstia viva e santa do seu agrado.

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A segunda, e última, parte deste artigo foi publicada aqui.

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